Um preâmbulo necessário
Shakti,
a consorte de Shiva tece pelo universo a triplicidade dos Gunas
(Sattvas, Rjas e Tamas) cujas qualidades estão nas formas das secreções
cósmicas de Kalas que são manifestos em sua encarnação superior, Kali.
Shakti tem dez formas distintas, das quais a mais alta é Kali.
De kali
emanam as outras nove formas que dão corpo ao seu espectro de atividade.
Tara - Poder de Criação
Sodasi - Materialização do Desejo
Bhairavi - Infinidade de Formas
Bhuvanesvari - Forças Materiais
Chinnamasta - Distribuição da Força de Vida
Dhumabati - Forças da Paixão
Bagala - Destruidor do Desequilíbrio
Matangi - Dominação
Kamala - Unidade
Juntas,
estas encarnações formam a Qaballah de Kali, que é a matriz Ain/Kether
da Árvore Negativa (universo B). Ela é a Mahavidya e a Deusa Primal.
Cuja forma externa é furiosa e terrível, ela é ainda a dadora e
destruidora do tempo e molda o universo em todas as suas formas.
Para
entender a interação entre a Magia Sexual e os reinos Qlipphóticos,
devemos adentrar o culto de Kali. Seu Yantra é o triângulo invertido (a
Yoni), seu mantram é o som raiz de Krim e seu Tantra é aquele da Magia
Sexual em solo de cremação, onde todos os desejos são queimados salvo o
da pureza do Eu. Aqui, todas as forças são absorvidas no vórtice do
Eros cósmico e as experiências de medo e morte são transformadas em
pura paixão de Vontade Perfeita.
Uma Descrição de Kali
O
termo Kali vem do radical 'Kal' que significa 'impelir'. Kali é a Deusa
Secreta dos Tantristas e deste modo impele o mago a encarar os aspectos
finais da Iniciação. Sua relação com Nuit é a de que ela é a máscara da
Iniciação da Morte (Thanatos). A experiência de Kali é muito afim
àquela do Antigo Egito, onde, no auge da iniciação, é dito ao neófito
que 'Osíris é um Deus Negro' e o neófito fica face a face com Set, o
Senhor Negro. Set sendo aquele que despe o mago de todos conceitos e o
leva à experiência da morte, que finalmente causa a total manifestação
do Humano Superior.
Uma
descrição completa de Kali é encontrada no livro 'Caminho Tântrico'
(Tantrick Way), de Ajit Mookerjee e Madhu Khanna, Thames e Hudson, 1977.
"Kali
é o símbolo do poder ativo do tempo eterno, Kala, e neste aspecto ela
significa aniquilação, através da morte ou destruição. Creação, a
semente da vida, emerge como a destruição da semente leva ao nascimento
da árvore. Portanto, desintegração é um passo normal e necessário da
natureza movendo-se em direção ao progresso ou desdobramento.
"Kali
é a materialização da creação, preservação e aniquilação. Ela inspira
repúdia e amor ao mesmo tempo. Como uma tendência desintegradora, Kali
é representada em preto 'pois todas cores desaparecem no negro,
portanto todos os nomes e formas nela desaparecem' (Thanirvana Tantra).
A densidade da escuridão é também identificada com a consciência
massiva, compacta, sem divisões, pura. Em hinos tântricos à deusa Kali,
ela é descrita como 'digambar', trajada no espaço, em sua nudez, ela
está livre de qualquer cobertura de ilusão. Ela tem o peito inflado,
sua maternidade, uma creação incessável denotando preservação. Seu
cabelo desgrenhado, 'Clokeshi', forma uma cortina de morte que permeia
a vida com mistério. Sua grinalda de cinquenta cabeças humanas
representando uma das cinquenta letras do alfabeto sânscrito, simboliza
o repositório de poder e conhecimento; as letras são elementos sonoros
nucleares simbolizando o poder dos mantras. Ela veste um cinto de mãos
humanas, mãos são os principais instrumentos de trabalho e portanto
significam a ação do Karma ou relações acumuladas para serem
desfrutadas em nascimentos subsequentes, constatemente relembrando que
a liberdade suprema é condicionada pelos frutos das ações perpetradas.
Seus três olhos governam as três forças de Creação, Preservação e
Destruição. Seus dentes brancos, símbolos de Sattvas, a inteligência
translúcida, pressionam sua língua vermelha para fora da boca,
indicativa de Rajas, um nível determinado de existência conduzindo para
Tamas, inércia.
Kali
tem quatro mãos, uma mão esquerda porta uma cabeça separada, indicando
destruição, e a outra carrega a espada da exterminação física, com a
qual ela corta a linha da escravidão. Suas duas mãos da direita
expulsam o medo e exortam para força espiritual. Ela é o poder
imutável, ilimitado, primordial (Adyasakti), atuando no grande drama
despertando o imanifesto Shiva, um observado passivo. Sua unidade
inseparável reflete a não dualidade."
Iniciação a Thanatos
Uma
das mais profundas iniciações da Magia é a de Thanatos ou morte. Em
Aeons passados a fórmula para experienciar Thanatos e Eros era através
do sacrifício, onde o ego inferior morria e com ele as paixões e era
ressuscitado mais tarde em um Novo Eu. A fórmula sacrificial era útil
no velho Aeon de Osíris pois trazia liberação (Moksha) do Verdadeiro Eu
do ciclo de recorrência eterna. Após esta experiência a alma
recém-nascida começa a reencarnar, no verdadeiro sentido da palavra, e
ganhar experiência.
A experiência e gradução supremas para esta alma é
a iniciação de Thanatos, onde através de ritos sexuais, os medos e
destruições das facetas Qlipphóticas do Universo são tão necessárias
como os aspectos Sephiróticos e tudo é consumido na paixão erótica de
Kali.
Para
algum mago, pode ser possível que ele tenha encontrado seu Verdadeiro
Eu em Aeons prévios, portanto seu trabalho, nesta época, é aplicar
aquela Vontade para plena manifestação. Para outros, simplesmente a
descoberta do Eu Verdadeiro será tarefa suficiente. É imperativo notar
a diferença ! A magia de Kali toma o mago que encontrou seu Verdadeiro
Eu e o empurra além para a plena manifestação (Humano Superior). Da
mesma maneira, a descoberta do Eu Verdadeiro é um pré-requisito para
esta forma de trabalho.
Trabalhos
preliminares focalizados em meditações sobre a morte, como as quarenta
meditações da morte no Budismo ou o Liber HHH, seção AAA (de Crowley)
são úteis, contudo, meditações em cemitérios não podem ser superadas.
A
iniciação a Thanatos usa as imagens da morte, volência, medo e dor e é
baseada nos Princípios de Reversão Sensorial. Na feitiçaria de Kali as
imagens reúnem os dois aspectos da energia universal, positividade e
negatividade e através de sua interação cria uma nova força. Este
processo é afim à dialética filosófica de Hegel, onde Tese + Antítese =
Síntese. Contudo, o duelo pessoal de imagens de vida e morte é de longe
mais imperativo do que uma discussão filosófica. A iniciação em
Thanatos reúne sexo e morte, gosto e desgosto, forçando o mago a
experienciar todas as coisas sem respeito a preferências, gostos,
normalidades, etc. É a mais terrível de todas as iniciações e engloba a
experiência tradicional de "cruzar o Abismo".
Esta
experiência usa os opostos diretos do que experienciamos para mostrar a
totalidade do universo e portanto oferece a maior libertação possível e
ainda, é uma das maiores demandas de todo o ocultismo, magia e
tantrismo.
O Solo de Cremação
O
solo de cremação é a cena da iniciação, aqui o mago é despido de todos
suportes e máscaras. Thanatos e Eros atuam como os aspectos duais de
uma força, sua Shakti ou Kali, que materializa as forças e o ritual
torna-se um ato simbólico de necrofilia onde o processo sexual leva-o
diretamente a um encontro sexual com o equilíbrio entre vida e morte.
Isto é acompanhado por imagens de violência e intoxicação intensas.
As
imagens de violência são um imperativo ao processo, elas demonstram a
finalidade do ciclo de sofrimento a respeito da vida mortal e destrói
as ilusões finais dentro da mente do mago. Sadomasoquismo é normalmente
usado para aprimorar a experiência, entretanto, morte e dor não são o
objeto mas são postos como aspectos do processo para experienciar a
Vontade Verdadeira. Em tempos antigos, os Thuggi levaram este aspecto
muito longe e literalmente usavam de violência e assassinato em sua
adoração a Kali. Isto é o mais distante que você pode estar da
feitiçaria de Kali ! O uso de imagens violentas e conceitos de morte
levam o iniciado a um estado pessoal de confusão onde a morte e a vida,
sofrimento e prazer, emergem num redemoinho de frenesi sexual e emoção,
amor, ódio, terror, beleza. Através disto um novo sentido despontapor
sobre estas dualidades e forma uma experiência suprema do Eu Verdadeiro
manifestando-se nos veículos inferiores aperfeiçoados. Apenas através
deste processo de 'cruzar o Abismo' é que é possível a total
manifestação da consciência do Humano Superior.
A Sombra
"
O confronto de alguém com seu próprio mal pode ser uma experiência
mortificante, similar à morte, mas como esta, está além do significado
pessoal de existência, representando o primeiro estágio no encontro do
Eu. Não há, de fato, acesso ao inconsciente e da nossa própria
realidade a não ser através da Sombra. Apenas quando percebemos aquela
parte de nós mesmos que até agora não havíamos visto ou preferimos não
enxergar podemos então prosseguir com a busca e encontrar as fontes da
qual se alimenta e a base na qual se sustenta.
"Portanto,
nenhum progresso ou crescimento na análise é possível até que a Sombra
esteja adequada e confrontar significa mais do que meramente conhecer
sobre ela. Não até que fiquemos verdadeiramente chocados de nos vermos
como realmente somos, ao invés de como desejamos ou esperançosamente
assumimos que somos, que poderemos tomar o primeiro passo em direção à
individualidade."
A Busca Simbólica (The Symbolic Quest),de Edward C. Whitmont
O
exerto acima sugere que a experiência similar à morte é disparada
através do encontro com a Sombra. A Sombra é melhor entendida como a
faceta do ego inferior que nos força ao conflito dentro do inconsciente
para que uma experiência mais plena do Eu Verdadeiro seja possível.
Esta Sombra é responsável pelos terrores que experimentamos nos
primórdios de nosso treinamento oculto e os períodos de crise que
experimentamos logo após começarmos nossa busca iniciática. Deste modo
é algumas vezes conhecida como o "Habitante da Entrada". Esta força de
crise leva-nos a nos ver como realmente somos e é o primeiro passo no
processo que deve desembocar na Iniciação a Thanatos. A relação entre a
Sombra e o Ego é refletida de perto na dualidade de Set e Hórus,
escondido dentro da força de Hórus está o aspecto oculto de Set. Set é
como a Sombra, mas numa base macrocósmica. Ele purifica o planeta para
prepará-lo para uma plena experiência de despertar, este sendo a visão
de Ain, que é na realidade a verdadeira natureza da Sombra ou Set
exaltado.
Kali como Matriz Iniciática
Kali
é, portanto, a mais alta matriz iniciática. Ela resume sob um glifo as
imagens de vida e morte e oferece as experiências de Thanatos e Eros
moldadas juntas para levar a uma iniciação final nas Supernais. As
verdadeiras técnicas da Iniciação a Thanatos são as de reversão dos
sentidos, entretanto, o fator chave da feitiçaria de Kali é a de que
ela é intensamente pessoal e altamente destrutivaantes de ser
construtiva.
Oferece
a maior experiência iniciática possível, a dissolução de todas as
barreiras entre os veículos inferiores e o Eu, a transfiguração do
Humano Superior através da total visão da realidade.
Para completar este capítulo, repetiremos a velha oração a Kali encontrada em Chandi,
Capítulo Cinco, versos 16-80 :
Aquele poder que é definido como consciência em todos os seres,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que é conhecido como razão em todos os seres,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que existe em todos os seres como fome,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que existe em todos os seres como Sombra,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que existe em todos os seres como energia,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que existe em todos os seres na forma de sede,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
Aquele poder que existe em todos os seres na forma de ilusão,reverência a ela, reverência a ela, reverência a ela,reverência, reverência.
[Imagem by Google]
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