Sete exortações aos mortos, escritas por Basilides em Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram.
O PRIMEIRO SERMÃO
Os
mortos retornaram de Jerusalém, onde não encontraram o que buscavam.
Eles pediram para serem admitidos à minha presença e exigiram ser por
mim instruídos; assim, eu os instruí:
Ouvi: Eu começo com nada.
Nada é o mesmo que plenitude. No estado de infinito, plenitude é o mesmo
que vazio. O Nada é ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se também
afirmar alguma outra coisa a respeito do Nada, ou seja, que é branco ou
negro, existente ou inexistente. Aquilo que é infinito e eterno não
possui qualidades porque contém todas as qualidades.
O Nada ou
plenitude é por nós chamado de o PLEROMA. Nele, pensamento e existência
cessam, porque o eterno é desprovido de qualidades. Nele, não existe
ninguém, porque se existisse alguém, este então se diferenciaria do
Pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam do Pleroma.
No Pleroma não existe nada e existe tudo: não é bom pensar sobre o Pleroma, pois fazê-lo significaria dissolução.
O
MUNDO CRIADO não está no Pleroma, mas em si mesmo. O Pleroma é o
princípio e o fim do mundo criado. O Pleroma penetra o mundo criado como
a luz solar penetra toda a atmosfera. Embora o Pleroma penetre-o por
completo, o mundo criado não participa dele, da mesma forma que um corpo
sumamente transparente não se torna escuro ou colorido como resultado
da passagem da luz por ele. Nós mesmos, no entanto, somos o Pleroma e
assim sendo, o Pleroma está presente em nós. Mesmo no ponto mais
minúsculo, o Pleroma está presente sem limite algum, eterna e
completamente, porque pequeno e grande são qualidades estranhas ao
Pleroma. Ele é o nada onipresente, completo e infinito. Eis porque vos
falo do mundo criado como uma porção do Pleroma, mas unicamente em
sentido alegórico; pois o Pleroma não se divide em partes, por ser o
nada. Somos também o Pleroma como um todo; visto que num aspecto
figurativo o Pleroma é um ponto excessivamente pequeno, hipotético,
quase inexistente em nós, sendo igualmente o firmamento ilimitado do
cosmo à nossa volta. Por que então discorremos sobre o Pleroma, se ele é
o todo e também o nada?
Eu vos falo como ponto de partida, e
também para eliminar de vós a ilusão de que em algum lugar, dentro ou
fora, existe algo absolutamente sólido e definido. Tudo o que chamam de
definido e sólido não é mais do que relativo, porque somente o que está
sujeito a mudança apresenta-se definido e sólido.
O mundo criado
está sujeito a mudar. Trata-se da única coisa sólida e definida, uma vez
que possui qualidades. Em verdade, o próprio mundo criado nada mais é
que uma qualidade.
Indagamos: como se originou a criação? As
criaturas de fato têm origem, mas não o mundo criado, porque este é uma
qualidade do Pleroma, da mesma forma que o incriado; a morte eterna
também representa uma qualidade do Pleroma. A criação é eterna e
onipesente. O Pleroma possui tudo: diferenciação e indiferenciada.
Diferenciação
é criação. O mundo criado é de fato diferenciação. A diferenciação é a
essência do mundo criado e, por essa razão, o que é criado gera também
mais diferenciação. Eis porque o próprio homem é um divisor, porquanto
sua essência é também diferenciação. Eis por que ele distingue as
qualidades do Pleroma, qualidades essas que não existem. Essas divisões,
o homem extrai de seu próprio ser. Eis por que o homem discorre sobre as
qualidades do Pleroma, que são inexistentes
Vós me dizeis: Que benefício existe então em falar sobre o assunto, uma vez que se afirmou ser inútil pensar sobre o Pleroma?
Eu
vos digo essas coisas para libertar-vos da ilusão de que é possível
pensar sobre o Pleroma. Quando falamos de divisões do Pleroma, falamos
da posição de nossas próprias divisões, falamos de nosso próprio estado
diferenciado; mas embora procedamos desta forma, na realidade nada
dissemos sobre o Pleroma. No entanto, é necessário falarmos de nossa
própria diferenciação. Eis por que devemos distinguir qualidades
individuais.
Dizeis: Que mal não decorre do discriminar, pois
nesse caso transcendemos os limites de nosso próprio ser; estendemo-nos
além do mundo criado e mergulhamos no estado indiferenciado, outra
qualidade do Pleroma. Submergimos no próprio Pleroma e deixamos de ser
seres criados. Assim, tornamo-nos sujeitos à dissolução e ao nada.
Essa
é a verdadeira morte do ser criado. Morremos na medida em que não somos
capazes de discriminar. Por essa razão, o impulso natural do ser criado
volta-se para a diferenciação e para a luta contra o antigo e
pernicioso estado de igualdade. A tendência natural chama-se Princípio
de Individuação. Esse princípio constitui de fato a essência de todo ser
criado. A partir de tudo isso, podeis prontamente reconhecer por que o
princípio indiferenciado e a falta de discriminação representam um
grande perigo para os seres criados. Eis por que devemos ser capazes de
distinguir as qualidades do Pleroma. Suas qualidades são os PARES DE
OPOSTOS, tais como:
o eficaz e o ineficaz
plenitude e o vazio
o vivo e o morto
diferença e igualdade
luz e treva
quente e frio
energia e matéria
tempo e espaço
bem e mal
beleza e fealdade
o um e os muitos
e assim por diante.
Os pares de opostos são as qualidades do Pleroma: também são na verdade inexistentes, porque se anulam mutualmente.
Como
nós mesmos somos o Pleroma, também possuímos essas qualidades presentes
em nós. Visto que a essência do nosso ser é a diferenciação, possuímos
essas qualidades em nome e sob o sinal da diferenciação, o que
significa:
Primeiro: que em nós as qualidades estão
diferenciadas, separadas, umas das outras e, dessa forma, não se anulam
mutualmente; ao contrário, encontram-se em atividade. Eis por que somos
vítimas dos pares de opostos. Porque em nós o Pleroma divide-se em dois.
Segundo:
as qualidades pertencem ao Pleroma, e nós podemos e devemos
partilhá-las somente em nome e sob o sinal da diferenciação. Devemos nos
separar dessas qualidades. No Pleroma, elas se anulam mutualmente; em
nós não. Porém, se soubermos percebermo-nos como seres à parte dos pares
de opostos, obteremos a salvação.
Quando lutamos pelo bom e pelo
belo, esquecemo-nos de nosso ser essencial, que é a diferenciação, e
nos tornamos vítimas das qualidades do Pleroma, os pares de opostos.
Lutamos para alcançar o bom e o belo, mas ao mesmo tempo obtemos o mau e
o feio, porque no Pleroma estes são idênticos àqueles. Todavia, se
permanecermos fiéis à nossa natureza, que é a diferenciação, então nos
diferenciaremos do mau e do feio. Só assim não imergimos no Pleroma, ou
seja, no nada e na dissolução.
Discordareis, dizendo: Afirmastes
que diferenciação e igualdade constituem também qualidades do Pleroma. O
que ocorre, quando lutamos pela diferenciação? Não somos no caso fiéis à
nossa natureza e, portanto, devemos também ficar eventualmente em
estado de igualdade , enquanto lutamos pela diferenciação?
O que
não deveis esquecer jamais é que o Pleroma não tem qualidades. Somos nós
que criamos essas qualidades através do intelecto. Quando lutamos pela
diferenciação ou pela igualdade, ou por outras qualidades, lutamos por
pensamentos que fluem para nós a partir do Pleroma, ou seja, pensamentos
sobre as qualidades inexistentes do Pleroma. Enquanto perseguis essas
ideias, vós vos precipitais novamente no Pleroma, chegando ao mesmo
tempo à diferenciação e à igualdade. Não a vossa mente, mas o vosso ser
constitui a diferenciação. Eis por que não deveríeis lutar pela
diferenciação e pela discriminação como as conheceis, mas sim por VOSSO
PRÓPRIO SER. Se de fato assim o fizéssemos, não teríeis necessidade de
saber coisa alguma sobre o Pleroma e suas qualidades e, ainda assim,
atingiríeis o vosso verdadeiro objetivo, devido à vossa natureza. No
entanto, como o raciocínio aliena-vos de vossa real natureza, devo
ensinar-vos o conhecimento para que possais manter vosso raciocínio sob
controle.
O SEGUNDO SERMÃO
Os mortos se ergueram durante a noite junto às paredes e gritaram: Queremos saber sobre Deus! Onde está Deus?
-Deus
não está morto; Ele está tão vivo quanto sempre esteve. Deus é o mundo
criado, na medida em que é algo definido e, portanto, diferenciado do
Pleroma. Deus é uma qualidade do Pleroma, e tudo o que afirmei sobre o
mundo criado é igualmente verdadeiro no que a Ele se refere.
Entretanto,
Deus se distingue do mundo criado, pois é menos definido e definível do
que o mundo criado em geral. Ele é menos diferenciado que o mundo
criado, porque a essência do seu SER é a efetiva plenitude; e só na
medida se Sua definição e diferenciação que Ele é idêntico ao mundo
criado; portanto, Ele representa a manifestação da efetiva plenitude do
Pleroma.
Tudo o que não diferenciamos precipita-se no Pleroma e
anula-se com seu oposto. Portanto, se não discernimos Deus, a plenitude
efetiva elimina-se para nós. Deus é também o próprio Pleroma, da mesma
forma que cada um dos pontos mais minúsculos dentro do mundo criado, bem
como no plano incriado, constitui o próprio Pleroma.
O vazio
efetivo é o ser do Demônio. Deus e Demônio são as primeiras
manifestações do nada a que chamamos de Pleroma. Não importa se o
Pleroma existe ou não existe, porque ele se anula em todas as coisas. O
mundo criado, entretanto, é diferente. Na medida em que Deus e Demônio
são seres criados, eles não se suprimem mutualmente, mas resistem um ao
outro como opostos ativos. Não necessitamos de prova da sua existência;
basta que sejamos obrigados a falar sempre deles. Mesmo que eles não
existissem, o ser criado (devido à sua própria natureza) os produziria
continuamente, a partir do Pleroma.
Tudo o que se origina no Pleroma pela diferenciação constitui pares de opostos; portanto, Deus sempre tem consigo o Demônio.
Como
aprendestes, esse inter-relacionamento é tão íntimo, tão indissolúvel
em vossas vidas, que se apresenta como o próprio Pleroma. Isso porque
ambos permanecem muito próximos do Pleroma, no qual todos os opostos se
anulam e se unificam.
Deus e Demônio distinguem-se pela plenitude
e pelo vazio, pela geração e pela destruição. A atividade é comum a
ambos. A atividade unifica-os. Eis por que ela permanece acima de ambos,
sendo Deus acima de Deus, por unificar plenitude e vazio em seu
trabalho.
Há um Deus sobre o qual nada sabeis, porque os homens
esqueceram-no. Nós o chamamos por seu nome: ABRAXAS. Ele é menos
definido que Deus ou o Demônio. Para distinguir Deus dele, chamamos a
Deus Helios, ou o Sol.
Abraxas é a atividade; nada pode
resistir-lhe, exceto o irreal, e assim, o seu ser ativo desenvolve-se
livremente. O irreal não existe, portanto, não pode de fato resistir.
Abraxas permanece acima do sol e acima do demônio. Ele é o improvável
provável, que é poderoso no plano da irrealidade. Se o Pleroma pudesse
ter uma existência, Abraxas seria sua manifestação.
Embora ele seja a própria atividade, não constitui um resultado específico, mas um resultado em geral.
Ele representa a não-realidade ativa, porque não possui um resultado definido.
Ele é ainda um ser criado, na medida em que se diferencia do Pleroma.
O
sol exerce um efeito definido, assim como o demônio; portanto, eles se
nos apresentam muito mais efetivos do que o indefinível Abraxas.
Pois ele é poder, persistência e mutação.
-Nesse ponto, os mortos provocaram uma grande rebelião, porque eram cristãos.
O TERCEIRO SERMÃO
Os mortos aproximaram-se como névoa saída dos pântanos e gritaram: -Fala-nos mais sobre o deus supremo!
-
Abraxas é o deus a quem é difícil conhecer. Seu poder é verdadeiramente
supremo, porque o homem não o percebe de modo algum. O homem vê o
summum bonum (bem supremo) do sol e também o infinum malum (mal sem fim)
do demônio, mas Abraxas não, porque este é a própria vida indefinível, a
mãe do bem e do mal igualmente.
A vida parece menor e mais fraca
do que o summum bonum (bem supremo), daí a dificuldade de se conceber
que Abraxas possa suplantar em seu poder o sol, que representa a fonte
radiante de toda a força vital.
Abraxas é o sol e também o abismo eternamente hiante do vazio, do redutor e desagregador, o demônio.
O poder de Abraxas é duplo. Vós não podeis vê-lo, porque a vossos olhos a oposição a esse poder parece anulá-lo.
O que é dito pelo Deus-Sol é vida.
O que é dito pelo Demônio é morte.
Abraxas, no entanto, diz a palavra venerável e também a maldita, que é vida e morte ao mesmo tempo.
Abraxas
gera a verdade e a falsidade, o bem e o mal, a luz e a treva, com a
mesma palavra e no mesmo ato. Portanto, Abraxas é verdadeiramente o
terrível.
Ele é magnífico como o leão no exato momento em que abate sua presa. Sua beleza equivale à beleza de uma manhã de primavera.
De fato, ele próprio é o Pã maior e também o menor. Ele é Príapo.
Ele é o monstro do inferno, o polvo de mil tentáculos, o contorcer de serpentes aladas e da loucura.
Ele é o hermafrodita da mais baixa origem.
Ele é o senhor dos sapos e das rãs que vivem na água e saem para a terra, cantando juntos ao meio-dia e à meia-noite.
Ele é plenitude unindo-se ao vazio;
Ele constituí as bodas sagradas;
Ele é o amor e o assassino do amor;
Ele é o santo e o seu traidor.
Ele é a luz mais brilhante do dia, e a mais profunda noite da loucura.
Vê-lo significa cegueira;
Conhecê-lo é enfermidade;
Adorá-lo é morte;
Temê-lo é sabedoria;
Não resistir-lhe significa libertação.
Deus
vive detrás do Sol; o demônio vive atrás da noite. O que deus traz à
existência a partir da luz, o demônio arrasta para a noite. Abraxas,
entretanto, é o cosmo; sua gênese e sua dissolução. A cada dádiva do
Deus-Sol, o demônio acrescenta sua maldição.
Tudo aquilo que
pedis a Deus-Sol leva a uma ação do demônio. Tudo o que obtendes através
do Deus-Sol aumenta o poder efetivo do demônio.
Assim é o terrível Abraxas.
Ele é o mais poderoso ser manifestado e nele a criação torna-se temerosa de si mesma.
Ele é o terror do filho, que ele sente contra a mãe.
Ele é o amor da mãe por seu filho.
Ele é o prazer da terra e a crueldade do céu.
Diante de sua face o homem fica paralisado.
Ante ele, não há pergunta nem resposta.
Ele é a vida da criação.
Ele é a atividade da diferenciação.
Ele é o amor do homem.
Ele é a fala do homem.
Ele é tanto o brilho como a sombra escura do homem.
Ele é a realidade enganosa.
- Nesse ponto, os mortos clamaram e deliraram porque ainda eram seres incompletos.
O QUARTO SERMÃO
Resmungando, os mortos encheram a sala e disseram: - Tu que és maldito, fala-nos sobre deuses e demônios!
-Deus-Sol
é o bem supremo, o demônio é o oposto; portanto, tendes dois deuses.
Há, contudo, inúmeros grandes bens e numerosos grandes males; entre eles
existem dois deuses-demônios, um dos quais é o FLAMEJANTE e o outro, o
FLORESCENTE. O flamejante é EROS em sua forma de chama. Ele brilha e
devora. O florescente é a ÁRVORE DA VIDA; ela cresce verdejante e
acumula matéria viva enquanto cresce. Eros flameja e então se apaga; a
árvore da vida, no entanto, desenvolve-se lentamente através de
incontáveis eras.
Bem e mal estão unidos na chama.
Bem e mal estão unidos no crescimento da árvore.
Vida e amor opõem-se mutualmente em sua divindade.
Imensurável
como os agrupamentos de estrelas é o número de deuses e demônios. Cada
estrela representa um deus e cada espaço ocupado por uma estrela, um
demônio. E o vazio do todo é o Pleroma. A atividade do todo é Abraxas;
só o irreal opõe-se a ele. O quatro constitui o número das divindades
principais, porque quatro é o número das dimensões do mundo. O Um é o
princípio; Deus-Sol. O Dois é Eros, porque ele se expande com uma luz
brilhante e combina duas. O Três é a Árvore da Vida, porque ela preenche
o espaço com corpos. O quatro é o demônio, porque ele abre tudo o que
está fechado; ele dissolve tudo o que tem forma e corpo; ele é o
destruidor, no qual todas as coisas dão em nada.
Abençoado sou,
porque me é dado conhecer a multiplicidade e a diversidade dos deuses.
Lastimo-vos, porque substituístes a unidade de Deus pela diversidade que
não se pode converter em unidade. Por meio disso, criastes o tormento
da incompreensão e a mutilação do mundo criado, cuja essência e lei é a
diversidade. Como podeis ser leais à vossa natureza quando tentais fazer
um dos muitos? O que fazeis aos deuses, também vos sobrevém. Todos vós
se tornam, assim, iguais e, por isso, vossa natureza também, fica
mutilada
Em benefício do homem pode reinar a unidade, mas nunca
em benefício de deus, pois existem muitos deuses, porém poucos homens.
Os deuses são poderosos e suportam sua diversidade, visto que, como as
estrelas, eles permanecem em solidão e separados por vastas distâncias
uns dos outros. Os seres humanos são fracos e não conseguem suportar sua
diversidade, por viverem próximos uns dos outros e desejarem companhia;
assim sendo, não podem suportar os próprios e distintos isolamentos. Em
prol da salvação, eu vos ensino aquilo que se deve eliminar, em favor
do que eu próprio fui banido.
A multiplicidade dos deuses iguala a
multiplicidade dos homens. Incontáveis deuses aguardam para tornarem-se
homens. Inúmeros já o foram. O homem é um partícipe da essência dos
deuses; ele vem dos deuses e vai para Deus.
Do mesmo modo que é
inútil pensar sobre o Pleroma, é inútil adorar essa pluralidade de
deuses. Menos útil ainda é adorar o primeiro Deus, a efetiva plenitude e
o bem supremo. Através de nossas preces, não podemos nem
acrescentar-lhe algo nem subtrair-lhe, porque o efetivo vazio tudo
absorve. Os deuses de luz compõem o mundo celestial, que é múltiplo e
estende-se até o infinito, expandindo-se ilimitadamente. Seu senhor
supremo é o Deus-Sol.
Os deuses das trevas constituem o inferno.
Eles não são complexos e têm a capacidade de diminuir e encolher
infinitamente. Seu senhor mais profundo é o demônio, o espírito da lua, o
servo da terra, que é menor, mais frio e mais inerte do que a terra.
Não
há diferença no poder dos deuses celestiais e terrestres. Os celestiais
expandem-se, os terrestres contraem-se. As duas direções estendem-se ao
infinito.
O QUINTO SERMÃO
Os mortos cheios de escárnio, gritaram: - Ensina-nos, ó tolo, sobre a Igreja e santa comunidade!
-
O mundo dos deuses manifesta-se na espiritualidade e na sexualidade. Os
deuses celestiais expressem-se na espiritualidade e os terrenos, na
sexualidade.
A espiritualidade recebe e compreende. Ela é
feminina, por isso nós a chamamos de MATER COELESTIS, a mãe celestial. A
sexualidade gera e cria. Ela é masculina, portanto nós a chamamos de
PHALLOS, o pai telúrico. A sexualidade do homem é mais terrena enquanto a
sexualidade da mulher, mais celestial. A espiritualidade do homem é
celestial, porquanto se move na direção do maior. Por outro lado, a
espiritualidade da mulher é mais terrena porque se move na direção do
menor.
Ilusória e demoníaca é a espiritualidade do homem que se
dirige ao menor. Ilusória e demoníaca é a espiritualidade da mulher que
se dirige ao maior. Cada uma deve dirigir-se a seu próprio lugar.
Homem
e mulher tornam-se demônios um para o outro quando não separam seus
caminhos espirituais, pois a natureza dos seres criados é sempre a
natureza da diferenciação.
A sexualidade do homem volta-se para o
terreno; a sexualidade da mulher volta-se para o espiritual. Homem e
mulher tornam-se demônios um para o outro quando não distinguem suas
duas formas de sexualidade.
O homem deve conhecer o que é menor, a
mulher o que é maior. O homem deve separar-se da espiritualidade e
também da sexualidade. Ele deve chamar a espiritualidade de mãe e
entronizá-la entre o céu e a terra. Ele deve chamar a sexualidade de
phallos, colocando-a entre o próprio ser e a terra, porque a mãe e
phallos são demônios super-humanos e manifestações do mundo dos deuses.
Eles se apresentam mais eficientes para nós do que os deuses por estarem
mais próximos do nosso ser. Quando não puderdes distinguir entre vós
próprios, de um lado, a sexualidade e espiritualidade, de outro, e
quando não fordes capazes de considerar que ambos são seres superiores e
exteriores a vós, então sereis vitimados por eles, i. e., pelas
qualidades do Pleroma. Espiritualidade e sexualidade não constituem
qualidades vossas, não são coisas que podeis possuir e apreender, ao
contrário, trata-se de demônios poderosos, manifestações de deuses e,
portanto, são muito superiores a vós e existem em si mesmas. Ninguém
possui espiritualidade ou sexualidade para si mesmo; antes, estamos
sujeitos às leis da sexualidade e da espiritualidade. Portanto, ninguém
escapa a esses dois demônios. Deveis considerá-los demônios, causas
comuns e perigos graves, assim como os deuses e, acima de tudo, o
terrível Abraxas.
O homem é fraco, portanto a comunidade torna-se
indispensável; se não a comunidade sob o signo da mãe, então aquela sob
o signo de phallos. Não haver comunidade constitui sofrimento e
enfermidade. A comunidade traz consigo fragmentação e dissolução. A
diferenciação conduz à solidão. A solidão é contrária à comunidade.
Devido à fraqueza da vontade humana, em oposição aos deuses e demônios e
suas leis que não se pode escapar, a comunidade é necessária.
Eis
por que devem existir tantas comunidades quantas forem necessárias; não
por causa dos homens, mas por causa dos deuses. Os deuses forçam-nos a
uma comunhão. Eles vos forçam a associar-vos tanto quanto necessário;
mais do que isso, porém, converte-se num mal.
Em comunhão, cada
um deve sujeitar-se ao outro, para a preservação da comunidade, visto
que dela tendes necessidade. No estado de solidão, cada qual será
colocado acima dos demais, para que possa conhecer-se e evitar a
servidão. Na comunidade haverá abstinência.
Na solidão, deixai que haja desperdício de abundância. Porque a comunidade é profundidade enquanto a solidão, altura.
A verdadeira ordem na comunidade purifica e preserva.
A verdadeira ordem na solidão purifica e aumenta.
A comunidade dá-nos calor; a solidão, luz.
O SEXTO SERMÃO
O
demônio da sexualidade insinua-se em nossa alma como uma serpente.
Trata-se de uma alma semi-humana e chama-se pensamento-desejo.
O
demônio da espiritualidade pousa em nossa alma como um pássaro branco.
Trata-se de uma alma semi-humana e chama-se desejo-pensamento.
A
serpente constitui uma alma telúrica, semi demoníaca, um espírito
relacionado com o espírito dos mortos. Com o espírito dos mortos, a
serpente penetra vários objetos terrenos. Ela também instila temor de si
no coração dos homens e inflama lhes o desejo. A serpente geralmente
tem caráter feminino e busca a companhia dos mortos. Ela se associa aos
mortos presos à terra que não encontraram o caminho pelo qual se passa
ao estado de solidão. A serpente é uma prostituta que se consorcia com o
demônio e maus espíritos; ela é um espírito tirano e atormentador,
sempre tentando as pessoas a cultivar a pior espécie de companhia.
O
pássaro branco representa a alma semi celestial do homem. Ele vive com a
mãe, descendo ocasionalmente da morada materna. O pássaro é masculino e
chama-se pensamento efetivo. Ele é casto e solitário, um mensageiro da
mãe. Voa alto sobre a terra. Comanda a solidão. Traz mensagens de longe,
daqueles que nos antecederam na partida, daqueles que alcançaram a
perfeição. Leva nossas palavras até a mãe. A mãe intercede e adverte,
mas não possui poderes contra os deuses. Ela é um veículo do sol.
A
serpente desce às profundezas e, com sua astúcia, ao mesmo tempo
paralisa e estimula o demônio fálico. Ela traz das profundezas os
pensamentos mais ardilosos do demônio telúrico; pensamentos que rastejam
por todas as passagens e tornam-se saturados de desejo. Embora não
deseje sê-lo, ela nós é útil. A serpente escapa ao nosso alcance, nós a
perseguimos, e assim ela nos mostra o caminho, o qual, com nossa
limitada capacidade humana, não poderíamos encontrar.
-Os mortos
ergueram o olhar com desprezo e disseram: - Cessa de falar-nos sobre
deuses, demônios e almas. Sabemos de tudo isso em essência há muito
tempo!
O SÉTIMO SERMÃO
À noite novamente
retornaram os mortos, dizendo entre queixas: - Uma coisa mais devemos
saber, pois esquecemos de discuti-la: ensina-nos a respeito do homem!
-
O homem é um portal por meio do qual penetramos, do mundo exterior dos
deuses, demônios e almas, no mundo interior; do mundo maior no mundo
menor. Pequeno e insignificante é o homem; logo o deixamos para trás e
assim entramos uma vez mais no espaço infinito, no microcosmo, na
eternidade interior.
À imensurável distância cintila solitária
uma estrela, no ponto mais alto do céu. Trata-se do único Deus desse
solitário ser. É seu mundo, seu Pleroma, sua divindade.
Nesse mundo, o homem é Abraxas, que dá discernimento a seu próprio mundo e devora-o.
Essa estrela é o Deus do homem e seu destino.
Ela é sua divindade tutelar; nela o homem encontra o repouso.
A
ela conduz a longa jornada da alma após a morte; nela reluzem todas as
coisas que, de outro modo, poderiam afastar o homem do mundo maior, com o
brilho de uma grande luz.
A esse Ser, o homem deveria orar.
Tal prece aumenta a luz da estrela.
Tal prece constrói uma ponte sobre a morte.
Ela aumenta a vida no microcosmo; quando o mundo exterior esfria, essa estrela ainda brilha.
Nada poderá separar o homem de seu Próprio Deus, se ele ao menos conseguir desviar o olhar do feérico espetáculo de Abraxas.
Homem
aqui, Deus lá. Fraqueza e insignificância aqui, eterno poder criador
lá. Aqui, há somente treva e frio úmido. Lá tudo é luz solar.
Tendo assim ouvido, os mortos silenciaram e elevaram-se como a fumaça da fogueira do pastor que guarda o seu rebanho à noite.
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