Os bruxos de antigamente eram camponeses iletrados
Freqüentemente os escritores modernos afirmam que as bruxas de antigamente não podiam ler e escrever, e portanto os ensinamentos de Bruxaria foram transmitidos oralmente. Essa afirmação contradiz a indicação no Livro das Sombras, de que cada bruxa deve “manter um livro em sua mão de escrita” (keep a book in your hand of write), embora talvez essa regra date de épocas pós-letradas. Entretanto, historiadores como o Dr. Owen Davies e o Professor Ronald Hutton provaram que as “bruxas brancas”, os sábios e os magos populares do passado eram freqüentemente instruídos.
Eles possuíam coleções de livros ocultistas que incluíam grimórios mágicos, almanaques astrológicos e herbanários. Alguns destes eram clássicos escritos por Nostradamus, Agrippa, Nicholas Culpeper, Francis Barrett e William Lilly, ou até mesmo cópias de grimórios medievais, como As Chaves de Salomão (Hutton 1999:19). Outros trabalhos ocultistas geralmente disponíveis incluíam The High German Fortune-Teller, Mother Bridget’s Dream Book, The Oracle of Fate, o livro de Napoleon Bonapart, Book of Fate, Raphael’s Almanae, Mother Shipton’s Profecies, e The Herald of Astrolog.. Por volta dos anos de 1880, as bruxas até assinavam uma revista ocultista chamada The lamp of Thoth, produzida por um grupo de magistas de Yorkshire conhecidos como os Frateres da Rosa Cruz.
O tipo e larga escala de publicações ocultistas disponíveis às bruxas e aos povos sábios pregam também um outro mito. Em um de seus livros, Doreen Valiente especificou separadamente as bruxas dos praticantes de magia cerimonial, o que ela afirmou ser o estudo dos sacerdotes e eruditos (Valente 1962: 27). Esse mito foi usado para justificar as alegadas origens pagãs da bruxaria como sendo uma religião natural popular, praticada por camponeses.
De fato, a evidência sugere o oposto à afirmação de Valiente – ou seja, que as pessoas popularmente descritas como “bruxas” praticaram magia cerimonial. O bruxo hereditário E. W. Liddell, por exemplo, afirmou que por volta de 1900 a maioria dos covens de bruxaria utilizava o material de “As Chaves de Salomão” (The Key of Solomon). E ele vai mais adiante, dizendo que a Bruxaria emprestou práticas da magia cerimonial desde, pelo menos um século ou até antes disso. Ele também afirma que o coven de New Forest, dentro do qual Gardner foi iniciado em 1939, usava As Chaves como um canal mágico (Liddell 1994: 158). De fato, foi assim que em 1654 a Inquisição em Veneza descobriu uma cópia de As Chaves na casa de uma mulher, suspeita de ser uma bruxa.
Em outros casos, o material escrito e de posse das bruxas tradicionais e pelos povos sábios (que eram às vezes doutores ou professores), consistia em grimórios feitos em casa. Estes carregam alguma semelhança com os modernos Livros das Sombras, exceto pelo fato de que não continham rituais pagãos sazonais. Eles consistiam geralmente de encantamentos de cura e feitiços, conhecimentos atmosféricos (previsões e mudanças de tempo), dados astrológicos e encantamentos para contatar anjos e convocar espíritos elementais. Estes “livros negros” possuíam nomes exóticos, como Liber Nox ou Book of the Night, The Devil’s Prayer Book e The Secret Granary, e sempre foram parte importante do stock-in-trade da bruxa (Pennick 1995: 11).
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Wiccan Rede e a Lei Tríplice do Retorno
A maioria dos livros modernos de bruxaria contém um elemento moral ou ético, centrado na terrível advertência sobre o emprego errado de poderes mágicos ou psíquicos. Tais elementos estão geralmente baseados na Wiccan Rede: a tão comentada Lei Tríplice do Retorno. Estas indicações, um tanto dogmáticas, prendem o bruxo a não praticar nenhum dano, a nenhuma criatura viva. Se assim o fizerem, estarão então advertidos de que toda a energia negativa que emitirem lhes retornará, e ainda desdobrada em três. A escritora moderna Teresa Moorey coloca a pergunta em um de seus livros: “Os Bruxos causam algum mal através da magia ?”
Ela mesma responde, dizendo que definitivamente não, porque o “efeito bumerangue significa que isso irá retornar para você triplamente”. Moorey adiciona que, de qualquer maneira, prejudicar qualquer pessoa é a variação de “the life-affirming nature of the Craft” (1996: 25). Este é um dogma popular, mas infelizmente força a evidência histórica ao contrário.
Há uma longa e ancestral tradição na bruxaria e magia, que data dos tempos da Babilônia e do Egito, sobre o uso de energia psíquica criada por poderes mágicos para causar danos físicos, e até mesmo a morte. De fato, toda a explicação por trás da introdução da pena de morte no século XVI na Inglaterra era a crença comum de que uma pessoa poderia enfeitiçar alguém à morte. Os bruxos ingleses suspeitos daquela época deixavam de se alarmar, não por acreditarem que eram membros de um culto herético de adoração do demônio, mas sim porque essa era uma crença comum em todos os níveis da sociedade, de que eles tinham o poder de matar humanos e animais de criação, e de arrasar colheitas.
Acredita-se que a rainha Elizabeth I introduziu seu Ato de Bruxaria, com a cláusula de pena de morte depois que uma imagem de cera que a representava foi descoberta em Lincoln Inn Fields.
Antigamente as bruxas podiam curar e amaldiçoar, heal e hex. como o editor da The Cauldron apontou em sua introdução ao artigo de Kelvin Jones em Cornish Curses (The Cauldron 103 Edição Inglesa, Fev/2002). Ele também sugeriu que a Wiccan Rede e a Lei Tríplice do Retorno eram ambas invenções modernas. É interessante notar que, em uma conversa na Conferência Pagã de 1997, Doreen Valiente rejeitou a validade da Lei e ainda sugeriu que isso fosse um dado moderno. O Dr. Graham Harvey, em uma conferência sobre o desenvolvimento do paganismo, organizada pela Open University, disse que o novo paganismo (incluindo a Wicca) é muito mais um produto da modernidade. Ele descreveu a isto como uma forma protestante de paganismo, altamente concernida em valores morais e éticos. O Dr. Harvey apontou que, aos povos tribais indígenas, as matérias éticas eram de interesse da comunidade e não da religião. Mark Pilkington, ao escrever em Fortean Times 157 (Abril/2002), fez uma pergunta interessante a respeito da razão pela qual os membros do mundo espiritual deveriam, eles próprios, se preocuparem com a moral humana.
Obviamente eles não deveriam fazê-lo, porque a moralidade não tem nada a ver com religião. Ela é uma construção humana, e quando isso toca no uso de magia para prejudicar alguém, a responsabilidade moral pelas próprias ações descansa unicamente sobre o próprio praticante.
O Estranho Mistério dos Falos de Pedra
Em 1973, o autor Michael Harrison relatou uma conversa que disse ter mantido com o Professor Geoffrey Webb. Essa conversa baseou-se na descoberta dos falos de pedra ocultados dentro dos altares das igrejas do período pré-Reforma. O Professor Webb era um historiador arquitetônico famoso, e também secretário da Comissão Real de Monumentos Históricos. Neste papel foi lhe dada a incumbência, após a Segunda Guerra Mundial, de examinar os danos das bombas feitos às igrejas de Londres, em Blitz. Em uma igreja, disse que encontrou uma laje da pedra que formava o topo do altar, e que havia sido deslocada de sua posição original pela explosão das bombas. Isso, disse o Professor Webb, tinha revelado o interior do altar pela primeira vez desde o Séc. XII. Ele ficou admirado ao descobrir que o objeto ocultado dentro daquele altar medieval era uma imagem de um falo de pedra. Não ficou claro se este era somente um entalhe, ou uma real representação. Harrison afirma que esta descoberta inicial conduziu o historiador a investigar outras igrejas do mesmo período, e surpreendentemente afirma-se que 90% das igrejas examinadas possuíam o falo de pedra oculto dentro do espaço do altar (1975: 215-216).
Se esta surpreendente afirmação é verdadeira, então ela representa uma evidência física da sobrevivência das crenças pagãs em um contexto cristão na Idade Média. Entretanto, o velho cético Prof. Ronald Hutton apontou que, à parte a alegada conversa de Harrison, há poucas outras evidências para dar suporte às descobertas. Para começar, nenhuma publicidade contemporânea foi dada às descobertas, mesmo que Harrison dissesse que lhe foram mostradas fotografias dos falos “in situ”. O Prof. Hutton também aponta que não há nenhuma menção desses extraordinários achados no livro de Webb, Architecture in Britain: The Middle Ages, publicado em 1956, ou em qualquer outro de seus livros e artigos. Também o Prof. Hutton, que escreveu sobre a Reforma, indica que todos os altares medievais em igrejas inglesas foram destruídos ou removidos, durante as Reformas Protestantes no reinado de Edward VI (Hutton 1999:274).
Considerando a falta da evidência física, parece provável que a história dos falos de pedra em altares ingleses da igreja seja apenas uma estória. Como um mito moderno isto foi repetido à moda do papagaio, porque corrobora a idéia popular de que "A Velha Religião Pagã" (ou o que quer que seja) sobreviveu das épocas medievais. Mesmo no ano passado, um famoso alto sacerdote gardneriano repetiu a história em um artigo de revista, para dar suporte a teorias sobre a adoração fálica ancestral. Parece que esse mito ainda vai precisar de um longo tempo para ser exorcizado da consciência popular.


Os Bruxos (homens) não são chamados Warlocks
Quase todo escritor moderno de bruxaria sente a desesperada necessidade de informar a seus leitores, na primeira oportunidade possível, que os homens bruxos não são chamados "warlocks". Em uma recente entrevista, a bruxa americana Starhawk disse que "warlock" não era um termo realmente utilizado pelos bruxos. Ela foi mais adiante, dizendo que este era "um clichê para uso de Hollywood" e que foi empregado somente pelos ignorantes que nada sabem sobre bruxaria. Em sua declaração dogmática, Starhawk não só rejeita o termo como algo não usado para descrever um homem bruxo, mas também rotulou qualquer um que o usa como uma pessoa ignorante, que não é um bruxo real.
A maioria dos escritores cita a definição de warlock como um "traidor", sem sequer questionar como isto se foi associado com a bruxaria. De fato, é um termo do antigo inglês, ou um termo saxão para feiticeiro ou mago (do inglês antigo). O componente "traidor" provavelmente veio à frente porque tal pessoa seria tida dessa forma em relação à religião Cristã. Nigel Pennick, praticante de uma forma tradicional de East Anglian Craft, refere-se muito claramente a um warlock como o nome arcaico para um praticante masculino das artes mágicas, um bruxo ou um sábio. Ele afirma que o título relaciona-se ao poder mágico de um mago de encerrar, incluir energia psíquica ou espíritos pelo uso de feitiços de amarração (binding spells - 1989:121). Isto conseqüentemente é a mais próxima relação da anglo-saxã "wicca", significando um magista com o poder de defesa contra o mal (ward-off).
Há, evidentemente, muitos outros mitos populares que se poderia ter exposto neste artigo. Eles incluem o "fato" de que a bruxaria morreu na Era da Razão no séc. XVIII. Na verdade, a popular perseguição às suspeitas bruxas pela turba continuou através do Séc. XIX, e freqüentemente terminava nas cortes, sob o Ato de Bruxaria de 1736. Um outro mito atual é o de que as bruxas foram os instrumentos da revogação desse Ato em 1951. De fato, foram espiritualistas que se mobilizaram no parlamento após o aprisionamento da médium Helen Duncan sob o Ato, em 1944. Nos anos 70 e 80, alguns renomados Wiccanos foram reputados como tendo persuadido o parlamento para não mais trazerem novas leis anti-bruxaria.
As mornas tentativas de trazê-las foram feitas por atabalhoados, tais como Geoffrey Dickenson, ministro do parlamento, que saiu sob risos da House of Commons (o parlamento) e nunca teve nenhuma possibilidade de aceitação de tal proposta. Infelizmente os mitos ainda vivem, mas este artigo tem a esperança de tornar o leitor mais atento à desinformação e aos mitos apresentados como fatos históricos.
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